Reencontro

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Maurício Correia de Mello*


Outro dia escrevi uma estória em que uma pessoa entra em sua própria casa e começa a notar objetos e móveis que não reconhece e que aparecem e desaparecem subitamente, atina com paredes que mudam de cor, ao lhes dar as costas, e mesmo portas que trocam de lugar. Tudo isso acontece durante o que seria apenas um dia de sua vida. Eu não sei o que se passou com este sujeito. Talvez ele tenha perdido a razão, talvez estejam querendo enlouquecê-lo. Mas uma possibilidade é a de que ele esteja sofrendo de lapsos de memória. Podem estar faltando pedaços de lembranças e a personagem não tem consciência disso. Para ele, o que são semanas podem parecer apenas horas.



Essa sensação é angustiante, pois a mente mantém a coerência interna, mas o cenário parece enlouquecido. No final da minha estorinha, a personagem quer fugir de carro e lembra de ter colocado as chaves numa estante. Mas a estante desapareceu.



A importância da memória é realçada pelo grande cineasta Luis Buñuel, na sua autobiografia O último suspiro: "É preciso começar a perder a memória, ainda que se trate de fragmentos desta, para perceber que é esta memória que faz toda a nossa vida. Uma vida sem memória não seria uma vida, assim como uma inteligência sem possibilidade de exprimir-se não seria uma inteligência. Nossa memória é nossa coerência, nossa razão, nossa ação, nosso sentimento. Sem ela, não somos nada."



Além da memória individual, existe a memória coletiva, que está na mente de muitas pessoas e precisa ser montada e reconstruída, como um quebra-cabeças, para se tornar coerente. Caso contrário, as coisas parecerão mudar de lugar como por mágica, a exemplo da estória que narrei. As coisas surgirão do nada, sem explicação.



Quando vemos a Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região, instalada neste prédio, com as pessoas trabalhando com relativo conforto, temos a impressão de que tudo sempre foi assim. Mas não foi. É necessário reconstituir os passos que foram dados até aqui, desde o início da década de 80, com a criação e instalação da Procuradoria.



Temos que passar pelo fim daquela década, durante a Constituição-cidadã, para observar as novas atribuições do MPT. Precisamos transitar pelo início dos anos 90, quando foi editada a Lei Complementar nº 75/93.



Mas, acima de tudo, temos de lembrar das pessoas que fizeram parte desta história. Procuradores que foram Chefes, Procuradores que nunca foram chefes, servidores que ainda estão por aqui, servidores que já se aposentaram. Destaco, além de todas as pessoas aqui homenageadas, a memória do Ministro Ranor Thales Barbosa da Silva, que, na qualidade de Procurador-Geral do Trabalho, cuidou da instalação da PRT da 10ª Região. A história da Procuradoria foi construída por estas pessoas. É uma obra inacabada, sempre em construção.



Notamos esta evolução do Ministéio Púlico do Trabalho, mas não podemos nos iludir de que o conquistado até aqui permanecerá para sempre. Pelo contráio, as forças que não querem os avanços dos Direitos Humanos, em especial, dos Direitos dos Trabalhadores, sempre existirão, e sempre confrontarão as forças que inspiraram a criação do Direito do Trabalho e das ferramentas que buscam sua concretização, como o Ministéio Púlico do Trabalho.



Na Revista do MPT nº 16, de 1998, existe um artigo do Dr. Cristiano Paixão, entitulado Avanço e retrocesso, o Direito do Trabalho no Curso da História. Neste é feita uma advertência sobre a ilusão de que a história sempre caminha para a frente:



Não existe uma “evolução”, no sentido linear, e tampouco se pode falar, de maneira reducionista, em ciclos históricos, que se repetem de tempos em tempos.


(...) Quando se imagina concretizado um período de consolidação de conquistas sociais, de melhorias no plano das relações de trabalho, sobrevém um movimento que ameaça a base do próprio direito do trabalho e instala um debate que já parecia superado.”



A responsabilidade pelo avanço é, portanto, de todos. Mas, quanto aos Direitos dos Trabalhadores, nós, Procuradores do Trabalho vocacionados, temos uma responsabilidade muito maior. Nossa luta tem que ser diária e permanente. Só assim essa história continuará seguindo seu curso ideal, na direção de um Ministério Público do Trabalho forte, atuante e indispensável na busca da paz social.



Para nós, Procuradores do Trabalho, as conquistas materiais, as melhorias salariais, o aperfeiçoamento das condições de trabalho, e mesmo o exercício do poder, tudo isso tem que ser compreendido apenas como meio. O fim é o bem comum. O bem da sociedade. É o convite que faço para os próximos 25 anos: continuar lutando.



Nesta luta, a memória coletiva é fundamental. Não podemos esquecer quem somos, por que somos e aonde queremos ir. Sem esta memória coletiva poderíamos nos ver, de repente, combatendo a nós mesmos, nossos próprios ideais. Confusos e sem referências, nos veríamos na floresta escura e não saberíamos mais o caminho a seguir. Se isso acontecesse, teríamos que nos lembrar de onde partimos, de nossa origem, e, se não estivermos sozinhos na jornada, talvez não precisemos chegar ao Inferno de Dante antes de retomar a caminhada.



Todavia, ao chegarmos neste momento histórico, em que comemoramos os 25 anos de existência da Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região, não estamos na floresta escura. Pelo contrário, há muita luz. E paz.



*Procurador-chefe da Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região - Distrito Federal e Tocantins

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